As transformações no setor financeiro se intensificaram nos últimos anos, com o PIX e o Open Banking, por exemplo, e apontam para um futuro mais conectado. André Mello, com mais de 25 anos de experiência no mercado à frente da RTM, fala em entrevista sobre as tendências para 2022, desde o crescimento das fintechs e de serviços digitais, a adoção de infraestrutura na nuvem até a segurança de dados nas instituições financeiras e o Open Finance.
Durante a pandemia observamos a crescente digitalização de serviços, especialmente no mercado financeiro. Quais soluções se desenvolveram nesse período e devem ser mantidas no futuro?
André – Na pandemia tivemos um crescimento expressivo dos bancos digitais. As pessoas estavam impossibilitadas de irem fisicamente aos bancos para realizar suas operações, e muitos bancos digitais se popularizaram rapidamente devido a este cenário. Em termos de serviços financeiros, hoje você pode fazer tudo de forma digital, desde a adesão a uma nova instituição financeira até um pagamento, e isso vai se potencializar com a chegada do Open Finance, que já é uma realidade. Então, acredito que o uso de serviços financeiros digitais devem crescer ainda mais dentro do mercado nos próximos anos.
Quais tendências devem ser fortalecidas para o setor no próximo ano?
André – O que precisa se fortalecer no setor financeiro é a questão da segurança da informação. À medida que todos passam a utilizar serviços bancários de forma digital, é necessário ter uma proteção muito forte dentro das instituições. E vai de encontro com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que deve ser exigida no próximo ano, e com o Open Finance. Além disso, muitas empresas do mercado financeiro adotaram o trabalho remoto ou híbrido em 2020 por conta da pandemia e acredito que este modelo de trabalho veio para ficar.
A utilização de nuvem por instituições financeiras tem crescido muito nos últimos tempos, esse movimento deve se manter?
André – Acredito que sim. Embora não vá tudo para a nuvem, ainda existem muitos sistemas nas empresas do mercado financeiro que podem ser migrados para a cloud, mas ainda não estão preparados para isso. Ou seja, há um caminho a ser percorrido, como dizem os especialistas. Segundo dados de pesquisas feitas pela Gartner e pelo IDC, a tendência de crescimento no uso de cloud ainda é bem expressiva. Embora o mercado financeiro tenha esta preocupação maior com o trato dos dados, ainda tem muito espaço para crescimento no uso de cloud, principalmente por parte das instituições financeiras mais tradicionais.
Quais são as movimentações esperadas nas instituições como bancos e fintechs, em termos de infraestrutura e negócios, para acompanhar as novas fases do Open Finance
André – Segundo o cronograma do Banco Central para o Open Banking, as instituições ainda estão começando a trabalhar com informações consideráveis sensíveis, ou seja, dados relacionados a informações mais íntimas dos clientes. Acredito que o principal movimento agora é preparar essa infraestrutura, tanto nos bancos, quanto nas fintechs, para funcionar conforme o que a LGPD exige, que é baseado no consentimento e com uma forte proteção dos dados, porque existe a possibilidade de penalizações graves em casos de vazamentos.
Quando tudo estiver funcionando corretamente, a tendência vai ser ver o crescimento do uso de serviços bancários digitais, especialmente em investimentos e crédito, que são nichos que estão sendo muito bem aproveitados pelas empresas do mercado financeiro.
Em 2022, a RTM vai lançar uma plataforma para a integralização das cotas de fundos de investimento. Esse novo serviço deve atender uma demanda até então desassistida no Brasil? Quais as expectativas com a implementação da solução pelos players da indústria de fundos?
André – Este é um processo que é feito muitas vezes de forma manual ou, na melhor das hipóteses, semiautomatizado. Só que esta indústria cresceu muito nos últimos anos e isso gera um gargalo operacional para as empresas que estão crescendo. Então, o que a RTM está oferecendo com a plataforma é a possibilidade de agilizar esse processo entre os participantes do mercado de fundos, ou seja, gestores, distribuidoras, administradores e custodiantes.
Já no primeiro momento, iremos padronizar e automatizar essa comunicação, sem exigir que as instituições precisem adaptar seus sistemas internos, pois esta adaptação das mensagens será realizada por nós. Outra função que estará disponível é a liquidação pela Clearing (B3). As instituições poderão utilizar o mesmo processo para liquidação de ativos de renda fixa e renda variável para cotas de fundos de investimento, simplificando sua estrutura operacional. Além disso, a plataforma também vai agregar a possibilidade de portabilidade de fundos, que hoje é feita manualmente e dificulta para o investidor saber exatamente quando seu dinheiro foi migrado de uma instituição para outra. Será um grande upgrade em relação às operações de compra e venda.
Hoje existem mais de mil fintechs no Brasil, e o número vem crescendo. Como essas empresas conseguem se inserir no mercado? Qual é o impacto para a economia no país e no mundo?
André – Ainda hoje, no Brasil, há um número de desbancarizados muito alto. Então, inicialmente, apareceram muitas fintechs aqui por isso. Mas talvez agora o principal nicho delas seja o crédito. As fintechs são empresas mais enxutas, ágeis, que oferecem taxas mais competitivas, principalmente para pequenas e médias empresas, microempresários e pessoas físicas. Como o Brasil é um país muito grande, com uma população enorme, ainda há espaço para este crescimento acontecer.
É claro que todo movimento de entrada tão grande de novos participantes no mercado passa por um período de acomodação, mas este é um fluxo que veio atender uma demanda, seja por inclusão bancária ou por crédito mais acessível, e que tem capacidade de transformar muita coisa lá na frente. O país tem muito a ganhar com a possibilidade de mais empresas se desenvolverem.
O que tem contribuído para o desenvolvimento de soluções inovadoras no mercado financeiro? Quais práticas de inovação aberta estão presentes no segmento?
André – A entrada das fintechs é uma delas. Elas conseguem capturar dores, necessidades e dificuldades da população em geral, que não estavam sendo supridas pelas instituições mais tradicionais. Elas são uma fonte de inovação muito importante para o país junto com a comunidade que as engloba, como as aceleradoras e as empresas que praticam o venture capital. Todo este mundo tem um peso enorme para a descoberta de ações inovadoras. Por isso, desde 2016, temos um projeto de inovação no qual mantemos parceria com a aceleradora Darwin Startups e já ajudamos a acelerar mais de 60 startups desde então. Acreditamos que este é o caminho para tornar o setor financeiro mais ágil, dinâmico e acessível.
Também não posso deixar de citar as iniciativas do Banco Central, que vem implementando uma série de mudanças no setor, como o Pix e o Open Banking. Isso vem estimulando a criação de soluções inovadoras e aumentado a competitividade no mercado financeiro.
Com a digitalização dos serviços do mercado financeiro, a preocupação com a segurança ganhou destaque este ano. Quais cuidados devem ser tomados e o que se espera no futuro?
André – Eu acredito que a questão da segurança da informação vai ser cada vez mais importante, até para o desenvolvimento do mercado. As pessoas hoje podem acessar informações bancárias de qualquer lugar por causa da digitalização e, se você não tiver uma infraestrutura para garantir a integridade das informações que serão acessadas, isso será um grande problema. Se começam a exigir muitos casos de vazamento de informações, todo mundo começa a frear.
Para realizar essa prevenção, é preciso ter mecanismos tradicionais como firewall e criptografia, por exemplo. Em 2021 firmamos uma parceria com a Kryptus e com a Ecoscard para oferecer um HSM (Hardware Security Module) como um serviço na nuvem, o que torna o custo bem mais acessível para as pequenas e médias empresas. Além disso, adotar novas tecnologias, como SD-WAN, que possibilita um melhor gerenciamento de redes, também ajuda a reforçar esta proteção. As instituições vão precisar se preocupar cada vez mais com o trato e tráfego do dado e em garantir a autorização do dono da informação para tais fins.